terça-feira, 15 de março de 2011

Realidade x Ficção

por mim

“A obra de ficção nos encerra nas fronteiras de seu mundo e, de uma forma ou outra, nos faz levá-la a sério”. A partir desta sentença de Umberto Eco em Seis Passeios pelo Bosque da Ficção pretendo analisar a dicotomia Realidade e Ficção. Por que a ficção nos leva para dentro de si e se faz sempre tão sedutora? Por que muitas vezes tentamos “enxergar” a vida como uma ficção? O que poderíamos considerar uma ficção realista?

Umberto Eco, em Seis Passeios pelo Bosque da Ficção, desmembra alguns recortes de romances a fim de explicar o jogo de funcionamento da ficção. Ao comparar a ficção como um jogo “fechado”, de um mundo finito e semelhante ao nosso, o autor demonstra as divergências entre o que pode ser considerado real ou então ficcional dentro do próprio funcionamento de uma narrativa.

A ficção possuiria “sua realidade”, o que consideraríamos “real” dentro daquele mundo pequeno. Entretanto, a ficção deve ter sua coerência interna para que não “se auto-invalide”. O autor da narrativa ficcional, neste caso, “(...) não passa de uma estratégia textual que é capaz de estabelecer relações semânticas e que pede para ser imitada (...)” (ECO, 1994, p. 31). Ou seja, é a lógica e semântica textual que vai promover o sentido daquela narrativa, desvinculando o autor e suas questões biográficas e/ou pessoais do sentido que deveríamos promover (Umberto Eco, neste instante, se mostra com uma visão estruturalista de leitura e escrita).

Ao metaforizar a ficção como um Bosque em que o leitor pode traçar seu caminho em meio a muitos outros ali presentes, Eco faz a seguinte reflexão (p.83):

“Quando entramos no Bosque da ficção, temos que assinar um acordo ficcional com o autor e estar dispostos a aceitar, por exemplo, que lobo fala. (...) Imaginamos o lobo peludo e com orelhas pontudas, mais ou menos como os lobos que encontramos nos bosques de verdade, e achamos muito natural que Chapeuzinho Vermelho se comporte como uma menina e sua mãe como uma adulta preocupada e responsável. Por quê? Porque isso é o que acontece no mundo de nossa experiência, um mundo que daqui para a frente passaremos a chamar, sem muitos compromissos antológicos, de ‘mundo real’.”

É necessário que haja elementos de nossa realidade em uma ficção. Os leitores precisam saber de coisas do mundo real para presumi-lo como pano de fundo para o mundo ficcional. Eco cita que os mundos ficcionais são “parasitas” do mundo real, porém são “menores” porque delimitam a nossa competência do mundo real e nos permite que entremos num mundo fechado, finito e mais “pobre” que o nosso. Talvez seja por isso que a ficção se torne tão sedutora aos leitores. Por ser um mundo “menor” e “fechado”, ele se torna coerente e tem “sentido”. “Ler ficção significa jogar um jogo através do qual damos sentido à infinidade de coisas que aconteceram, estão acontecendo ou vão acontecer no mundo real. Ao lermos uma narrativa, fugimos da ansiedade que nos assalta quando tentamos dizer algo de verdadeiro a respeito do mundo.” (ECO, 1994, p. 93) Esta é a função “consoladora” da narrativa ficcional: “encontrar uma forma no tumulto da experiência humana” (Idem).

Ler um romance nos traz a sensação confortável de viver em mundos nos quais a visão de verdade é indiscutível, enquanto o mundo real nos parece algo mais “traiçoeiro”, “nebuloso” e de difícil compreensão. E é por esta razão que somos tentados a dar forma à vida através de esquemas narrativos; através de uma “lógica” que segue as lógicas textuais narrativas. Eis que Eco cita (p. 121):

“Qual é a moral desta história? É que os textos ficcionais prestam auxílio à nossa tacanheza metafísica. Vivemos no grande labirinto do mundo real, que é maior e mais complexo que o mundo de Chapeuzinho Vermelho. É um cujos caminhos ainda não mapeamos inteiramente e cuja estrutura total não conseguimos descrever. Na esperança de que existam regras do jogo, ao longo dos séculos a humanidade vem se perguntando se esse labirinto tem um autor ou talvez mais de um. (...) A Divindade nesse caso é algo eu precisamos descobrir ao mesmo tempo que descobrimos por que estamos no labirinto e qual é o caminho que nos cabe percorrer”

Nos mundos ficcionais, sabemos que há um autor que está por trás da mensagem ficcional dando-lhe um sentido. Por esta razão temos a necessidade de encontrar um “Autor” para a nossa realidade, para encontrarmos um sentido da vida.

Entretanto, há certas ficções consideradas mais “realistas” do que outras. Talvez por conterem “menos sentido” ou então “múltiplos sentidos”; por se tornarem um “bosque emaranhado e distorcido”, e não organizado como um jardim francês. Estas ficções se apresentariam mais próximas à nossa realidade.

De acordo com Eco, a ficção nos fascina não só pelo fato de parecer mais atrativa que a realidade, mas também por nos proporcionar a oportunidade de usarmos nosso conhecimento de mundo para reconstituir o passado. A ficção tem a mesma função dos jogos. As crianças brincam e simulam situações de adultos, aprendendo a viver. E é por meio da ficção que os adultos exercitam sua capacidade de estruturar a experiência passada e presente.

Bibliografia:

ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994